quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

AMÁLIA RODRIGUES CANTA O FADO "BARCO NEGRO"



"(...) dizem as velhas da praia que não voltas... são loucas, são loucas!!"
(...) 

que horas serão para lá deste século? 
onde estaremos neste momento? 
estarei eu em ti ou serás tu que me devoras e me comoves? 
... teu nome, pronuncia teu nome para que seja impossível esquecer-me do meu. diz-me o teu nome de ontem, quando éramos o reflexo exacto um do outro. toca-me o rosto com o teu nome, ou pousa-o sobre as mãos; debruça-te para dentro de mim e deixa que o segredo do tempo fulmine os ossos.

[ Al Berto], in "O Medo 3"

domingo, 26 de dezembro de 2010

"minha alma está hoje triste até ao corpo. todo eu me doo, memória, olhos e braços. há como que um reumatismo em tudo o que sou. nada me é nada."

[Bernardo Soares], in "Livro do Desassossego"

sábado, 25 de dezembro de 2010

Truque do Meu Amigo da Rua

ao acaso encontrei-te encostado a uma esquina
olhar vazio varrendo a multidão, parei
sorri e tu vieste, fomos andando
os ombros tocavam-se, em direcção a casa
pediste-me para tomar um duche, eu deitei-me
ouvi o barulho da água resvalando pelo teu corpo sujo da cidade e de engates
sujo pelos dias e noites e mais dias que não tive
esperei-te deitado, outro cigarro
e ainda espero
gosto dos corpos que riem, frescos
rasgam-se à ternura nocturna dos dedos, e ao desejo
húmido da boca, que sempre percorre e descobre


tacteio-te de alto a baixo 
reconhecendo-te num gemido que também me pertence, no escuro
contaste-me uma improvável aventura de tarzan, ouvia-te
e no silêncio do quarto fulguravam aves que só eu via
sorri ao enumerar os restos que a manhã encontraria pelo chão
manchas de esperma, ténis esburacados, calças sujíssimas, blusão cheio
de autocolantes,

peúgas encortiçadas pelo suor
as cuecas rotas, sujas de merda
e tuas mãos, recordo-me
sobretudo de tuas mãos imensas sobre o peito
teu corpo nu, à beira da cama, no sossegado sono.

[Al Berto], in "O Medo"

domingo, 19 de dezembro de 2010

(...) e tudo, tudo assim me é conduzido no espaço
por inúmeras intersecções de planos
múltiplos, livres, resvalantes.

é lá, no grande Espelho de fantasmas
que ondula e se entregolfa todo o meu passado,
se desmorona o meu presente,
e o meu futuro é já poeira. (...)

[Mário de Sá Carneiro], in "Manucure"

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

as palavras existiram e foram um eclipse.

 Foto: Manuel Madeira


(...) e no fim dos passos encontraram-se. Sentados sobre as camas de ferro dos seus quartos, lembraram-se: encontrámo-nos. Naquele dia, perante a imagem verdadeira um do outro, sentiram: encontramo-nos. No rosto dele, a esperança. No rosto dela, mais do que a esperança. Encontramo-nos. Encontrámo-nos. Encontraram-se. Foi ele que caminhou a distância pequena que ainda os separava. Foi ele que estendeu os braços. Ela baixou o olhar entre o seu corpo imóvel e a terra. Os braços dele sem uso. As palavras formaram-se dentro dela. As palavras aproximaram-se dos seus lábios. No silêncio, entre os seus rostos, as palavras existiram e foram um eclipse. (...)


[José Luís Peixoto], excerto de "Ao Adormecermos Eternamente" in Antídoto